Militares reformados receiam despejos ordenados pelo Exército em Lisboa
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Militares reformados receiam despejos ordenados pelo Exército em Lisboa
In jornal "Público" - http://www.publico.pt/local/noticia/militares-reformados-receiam-depejos-ordenados-pelo-exercoto-em-lisboa-1661975
Militares reformados receiam despejos ordenados pelo Exército em Lisboa
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 08/07/2014 - 10:49
Vinte famílias de velhos militares, muitos deles doentes, receiam ser despejadas das casas onde moram há decadas. Há duas semanas receberam por telefone o aviso de que os camiões viriam quarta-feira. À última hora o ministro da Defesa mandou suspender a ordem.
As buganvílias vermelhas a cair dos muros e a quietude da travessa sem trânsito emprestam ao lugar o ambiente pacato das aldeias. Mas não é sossego o que se vive naquele beco, ali ao lado do Museu dos Coches, em Belém. Ali vive-se uma coisa muito diferente do impasse físico que representa um beco no meio da cidade. Ali vive-se a ansiedade de duas dezenas de famílias de velhos militares. Famílias às quais o Ministério da Defesa colocou uma espada chamada despejo sobre a cabeça.
Elas não estão lá desde ontem. Vivem lá há dezenas de anos, nalguns casos há mais de quarenta. Lá tiveram os filhos, lá se reformaram e lá envelheceram. Por vezes a esconderem-se daqueles estrondos terríveis que os acordavam do sono e lhes ecoavam na cabeça, devolvendo-os aos pesadelos dos tiroteios da Guiné ou de Angola. Ou aos meses passados no cativeiro da Índia, às ordem de Salazar e dos seus conceitos de serviço pátrio.
São quase todos sargentos do Exército, um deles é capitão, ou viúvas dos que já morreram, que vivem em casas que o Estado lhes entregou, de livre vontade, e pelas quais lhes cobrou a mensalidade que quis e enquanto quis. Sem contratos, sem mais nada.
São casas que foram construídas na Travessa das Terras do Desembargador, paralela à Rua da Junqueira, paredes meias com as Oficinas Gerais de Material de Engenharia, onde eles prestavam serviço. São oito pequenas casas térreas e três prédios de dois pisos, juntinhos uns aos outros, com quintais e garagens encostados ao muro do quartel, aconchegados naquela espécie de ilha do outro mundo.
Casas que, para azar deles, integram uma propriedade de sete hectares que o Estado vendeu em 2009 à Estamo — uma imobiliária de capitais públicos — por 42,5 milhões de euros. Estado e Exército que assinaram um contrato de promessa de compra e venda sem salvaguardar a situação, e a vida, dos seus antigos servidores.
Abreviando razões e histórias, eles lá estavam a ver chegar mais um Verão tranquilo, quando o telefone tocou no dia 20 do mês passado. Acabou-se. Foi a mensagem. Curta. O tenente-coronel engenheiro que estava do outro lado e que muitos deles conhecem pessoalmente falava pelo Estado. Estado com maíscula do tamanho do mundo que eles fora ensinados a temer e a obedecer. “No dia 9 [amanhã] os camiões vão aí e levam as coisas todas que ainda aí estiverem para um armazém do Exército.”
Só não disse, o tenente-coronel, o que é que aconteceria aos donos das coisas.
“Eu nem queria acreditar quando a minha vizinha me contou, porque eu não estava cá quando ele ligou. Eu só queria era saber de onde é que veio essa ordem para sairmos em 15 dias e sem sequer nos mandarem um papel”, indigna-se Rita Correia, de 70 anos. Não é que ela não esteja até disposta a sair mais o seu marido, de 76 anos. “Já estou saturada disto, das ameaças. Não tenho estabilidade emocional, não durmo de noite. Já não aguento. Mas deem-me tempo, pelo menos até ao fim de Agosto.”
O que ela não percebe, nem os vizinhos, é “porque é que o Estado dá ordem para os particulares não despejarem as pessoas a partir de uma certa idade” e a eles, quase todos com mais de 70 e alguns com mais de 80 anos, quer despejar de um dia para o outro. "Ainda por cima pessoas como o meu marido que foi combatente na Índia, em Angola e na Guiné.”
A incompreensão, nalguns casos com a marca da resignação a que foram habituados, atinge o limite perante o que lhes parece uma acção intimidatória. “Na segunda-feira [da semana passada] apareceram aí vinte homens fardados, quase tudo oficiais, com um advogado e com a PSP à frente, como se tivessem medo de nós”, conta uma viúva que pede para não ser identificada.
“Fui ter com eles e só me disseram que tinha de sair no dia 9. Perguntei se não podia ao menos ficar uns dias com as chaves para vir buscar o correio, mas disseram-me que não, porque mudavam logo as fechaduras.”
A hora é de almoço e Maria do Céu Pimenta veio dar uma ajuda à mãe, de 72 anos, doente renal que faz hemodiálise e já foi operada ao coração, e ao pai, de 76. “Como é que isto é possível?”, pergunta. “Ao fim de tantos anos aqui e depois de uma vida a servir o país, com comissões em África, põem-no assim na rua?”, indigna-se Maria do Céu. E o pai aponta o dedo: “Nunca quiseram saber de nós. Nunca aqui fizeram uma obra. Eu e outros gastámos muito dinheiro nas casas para isto...”
Um outro militar, com um filho adulto e deficiente acamado, resume tudo a uma questão de “falta de bom senso” do Exército. “Ainda por cima, mandam-nos embora para isto ficar abandonado durante meia dúzia de anos ou mais, até a Estamo conseguir vender os terrenos.”
Militares reformados receiam despejos ordenados pelo Exército em Lisboa
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 08/07/2014 - 10:49
Vinte famílias de velhos militares, muitos deles doentes, receiam ser despejadas das casas onde moram há decadas. Há duas semanas receberam por telefone o aviso de que os camiões viriam quarta-feira. À última hora o ministro da Defesa mandou suspender a ordem.
As buganvílias vermelhas a cair dos muros e a quietude da travessa sem trânsito emprestam ao lugar o ambiente pacato das aldeias. Mas não é sossego o que se vive naquele beco, ali ao lado do Museu dos Coches, em Belém. Ali vive-se uma coisa muito diferente do impasse físico que representa um beco no meio da cidade. Ali vive-se a ansiedade de duas dezenas de famílias de velhos militares. Famílias às quais o Ministério da Defesa colocou uma espada chamada despejo sobre a cabeça.
Elas não estão lá desde ontem. Vivem lá há dezenas de anos, nalguns casos há mais de quarenta. Lá tiveram os filhos, lá se reformaram e lá envelheceram. Por vezes a esconderem-se daqueles estrondos terríveis que os acordavam do sono e lhes ecoavam na cabeça, devolvendo-os aos pesadelos dos tiroteios da Guiné ou de Angola. Ou aos meses passados no cativeiro da Índia, às ordem de Salazar e dos seus conceitos de serviço pátrio.
São quase todos sargentos do Exército, um deles é capitão, ou viúvas dos que já morreram, que vivem em casas que o Estado lhes entregou, de livre vontade, e pelas quais lhes cobrou a mensalidade que quis e enquanto quis. Sem contratos, sem mais nada.
São casas que foram construídas na Travessa das Terras do Desembargador, paralela à Rua da Junqueira, paredes meias com as Oficinas Gerais de Material de Engenharia, onde eles prestavam serviço. São oito pequenas casas térreas e três prédios de dois pisos, juntinhos uns aos outros, com quintais e garagens encostados ao muro do quartel, aconchegados naquela espécie de ilha do outro mundo.
Casas que, para azar deles, integram uma propriedade de sete hectares que o Estado vendeu em 2009 à Estamo — uma imobiliária de capitais públicos — por 42,5 milhões de euros. Estado e Exército que assinaram um contrato de promessa de compra e venda sem salvaguardar a situação, e a vida, dos seus antigos servidores.
Abreviando razões e histórias, eles lá estavam a ver chegar mais um Verão tranquilo, quando o telefone tocou no dia 20 do mês passado. Acabou-se. Foi a mensagem. Curta. O tenente-coronel engenheiro que estava do outro lado e que muitos deles conhecem pessoalmente falava pelo Estado. Estado com maíscula do tamanho do mundo que eles fora ensinados a temer e a obedecer. “No dia 9 [amanhã] os camiões vão aí e levam as coisas todas que ainda aí estiverem para um armazém do Exército.”
Só não disse, o tenente-coronel, o que é que aconteceria aos donos das coisas.
“Eu nem queria acreditar quando a minha vizinha me contou, porque eu não estava cá quando ele ligou. Eu só queria era saber de onde é que veio essa ordem para sairmos em 15 dias e sem sequer nos mandarem um papel”, indigna-se Rita Correia, de 70 anos. Não é que ela não esteja até disposta a sair mais o seu marido, de 76 anos. “Já estou saturada disto, das ameaças. Não tenho estabilidade emocional, não durmo de noite. Já não aguento. Mas deem-me tempo, pelo menos até ao fim de Agosto.”
O que ela não percebe, nem os vizinhos, é “porque é que o Estado dá ordem para os particulares não despejarem as pessoas a partir de uma certa idade” e a eles, quase todos com mais de 70 e alguns com mais de 80 anos, quer despejar de um dia para o outro. "Ainda por cima pessoas como o meu marido que foi combatente na Índia, em Angola e na Guiné.”
A incompreensão, nalguns casos com a marca da resignação a que foram habituados, atinge o limite perante o que lhes parece uma acção intimidatória. “Na segunda-feira [da semana passada] apareceram aí vinte homens fardados, quase tudo oficiais, com um advogado e com a PSP à frente, como se tivessem medo de nós”, conta uma viúva que pede para não ser identificada.
“Fui ter com eles e só me disseram que tinha de sair no dia 9. Perguntei se não podia ao menos ficar uns dias com as chaves para vir buscar o correio, mas disseram-me que não, porque mudavam logo as fechaduras.”
A hora é de almoço e Maria do Céu Pimenta veio dar uma ajuda à mãe, de 72 anos, doente renal que faz hemodiálise e já foi operada ao coração, e ao pai, de 76. “Como é que isto é possível?”, pergunta. “Ao fim de tantos anos aqui e depois de uma vida a servir o país, com comissões em África, põem-no assim na rua?”, indigna-se Maria do Céu. E o pai aponta o dedo: “Nunca quiseram saber de nós. Nunca aqui fizeram uma obra. Eu e outros gastámos muito dinheiro nas casas para isto...”
Um outro militar, com um filho adulto e deficiente acamado, resume tudo a uma questão de “falta de bom senso” do Exército. “Ainda por cima, mandam-nos embora para isto ficar abandonado durante meia dúzia de anos ou mais, até a Estamo conseguir vender os terrenos.”
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